Terrorismo <i>made in</i> USA

Rui Paz

Ser­viços se­cretos e go­verno norte-ame­ri­cano tra­ba­lham vi­si­vel­mente em con­junto para lu­di­briar a opi­nião pú­blica

 A 7 de Maio o go­verno de Obama anun­ciou que os EUA ti­nham con­se­guido evitar um aten­tado à bomba contra um avião de pas­sa­geiros. No dia se­guinte, Hil­lary Clinton acu­sava os «ter­ro­ristas» de uti­li­zarem «mé­todos per­versos e ter­rí­veis» e de pro­cu­rarem «matar pes­soas ino­centes». Mas poucas horas de­pois, des­cobre-se que o «ter­rível» plano da ma­tança dos ino­centes tinha par­tido da pró­pria CIA e de­veria ser exe­cu­tado por um seu co­la­bo­rador. Não é a pri­meira vez que Washington afirma ter feito des­po­letar actos de ter­ro­rismo cujos au­tores e exe­cu­tantes mantêm li­ga­ções aos ser­viços se­cretos norte-ame­ri­canos. Desde que o pre­si­dente Jimmy Carter as­sinou a 3 de Julho de 1979 a di­rec­tiva do apoio se­creto aos mud­ja­e­dines no Afe­ga­nistão (Bre­zinski) que o go­verno norte-ame­ri­cano e os seus ali­ados sau­ditas pas­saram a tra­ba­lhar com grupos ter­ro­ristas, como o de Bin Laden. No fu­turo, uma das mai­ores di­fi­cul­dades dos his­to­ri­a­dores na aná­lise dos acon­te­ci­mentos das úl­timas quatro dé­cadas será saber qual o con­tri­buto de Washington para a cri­ação e dis­se­mi­nação do fe­nó­meno do ter­ro­rismo in­ter­na­ci­onal. Como aca­bámos de ver mais uma vez nas ter­rí­veis ex­plo­sões de 10 de Maio em Da­masco, que ma­taram de­zenas de sí­rios, estes actos de ter­ro­rismo coin­cidem com a es­tra­tégia in­ter­ven­ci­o­nista do im­pe­ri­a­lismo na re­gião. Qual o papel dos mem­bros ou co­la­bo­ra­dores in­fil­trados da CIA e de ou­tros ser­viços se­cretos ali­ados das po­tên­cias oci­den­tais nestes mas­sa­cres ter­ro­ristas? Até que ponto de­ter­mi­nadas or­ga­ni­za­ções já sob o con­trolo par­cial ou total do im­pe­ri­a­lismo in­tervêm ac­ti­va­mente no aci­catar dos con­flitos ét­nicos e re­li­gi­osos, entre xi­itas e su­nitas, com o ob­jec­tivo de es­ta­be­lecer o caos, di­vidir para reinar ou en­fra­quecer re­gimes e go­vernos que não se rendem aos in­te­resses oci­den­tais? Não es­que­çamos a re­cente men­tira do FBI sobre uma ten­ta­tiva de aten­tado dos ser­viços se­cretos ira­ni­anos contra o em­bai­xador da Arábia Sau­dita em Washington que con­duziu ao envio de notas do De­par­ta­mento de Es­tado para as em­bai­xadas do mundo in­teiro. Ser­viços se­cretos e go­verno norte-ame­ri­cano tra­ba­lham vi­si­vel­mente em con­junto para lu­di­briar a opi­nião pú­blica.


No re­la­tório final da co­missão do 11 de Se­tembro de 2001, a com­po­nente ter­ro­rista dos Balcãs é re­fe­rida só al­gumas vezes num total de 567 pá­ginas, apesar de ter de­sem­pe­nhado um papel muito im­por­tante nos aten­tados de Nova Iorque. Se­gundo o autor de «como o Djihad chegou à Eu­ropa», Jürgen Elsässer, a razao é sim­ples: «os amigos de Bin Laden nos Balcãs es­tavam na lista de pa­ga­mentos da CIA». Face à ra­pidez com que de­ter­mi­nadas forças e grupos ter­ro­ristas passam de ali­ados a ini­migos dos Es­tados Unidos e da NATO, e vice-versa, o as­sas­sínio de Bin Laden e de ou­tros ele­mentos ofi­ci­al­mente apre­sen­tados como ad­ver­sá­rios pre­su­mí­veis ou de­cla­rados dos EUA, des­tina-se de facto a «com­bater o ter­ro­rismo» como é afir­mado ofi­ci­al­mente pelo go­verno norte-ame­ri­cano ou a apagar li­ga­ções e rastos de co­la­bo­ração entre o Pen­tá­gono, a CIA e de­ter­mi­nados grupos bom­bistas cujos in­te­resses coin­ci­diram ou coin­cidem com os de Washington?


É ab­so­lu­ta­mente ne­ces­sário que uma ins­ti­tuição como a ONU se pro­nuncie contra os as­sas­sí­nios sem jul­ga­mento por um Es­tado que se diz de «di­reito». De outro modo corre-se o risco de ver a bar­bárie ins­ti­tu­ci­o­na­lizar-se com a cum­pli­ci­dade e co­ber­tura de uma or­ga­ni­zação in­ter­na­ci­onal que se­gundo a sua Carta de­veria pre­servar as normas do di­reito in­ter­na­ci­onal e as con­quistas ci­vi­li­za­ci­o­nais.



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